Afrodite – a
face negra do amor.
Frequentemente, entre muitos outros, um erro tem sido cometido entre os
neopagãos, talvez movidos pelo intenso pedantismo reinante ou pela
misologia característica dos “novos-bruxos”, muitas divindades tem sido
banalizadas e tidas como seres eternamente à disposição das vontades
humanas. Infeliz engodo. Nessa ânsia de transformar de não reconhecer em
certas divindades seus aspectos negativos, acabamos caindo no velho conto
do cego que não deseja a visão. Afinal, é mais fácil fantasiar e decorar o
mundo como um eterno mar de rosas e viver boiando sobre ele. Uma deusa
que, invariavelmente tem sido alvo de tais praticas é Afrodite, umas das
mais antigas divindades da arcaica religiosidade helênica. Como divindade
assaz primitiva, mesmo após sua entrada no Olimpo, Afrodite permaneceu
distante dos demais deuses, como Hécate ela era cultuada em diversas
partes do mundo antigo, chegando até mesmo à costa norte da África onde há
indícios de seu culto e lendas seus amores na região. Como Hécate, por
demais inserida no cotidiano dos povos helênicos, Afrodite não apenas uma
olimpiana, mas uma presença constante na vida de todos os gregos arcaicos,
como é ainda hoje para os reconstrucionistas da religiosidade grega. Como
deusa do amor, Afrodite não possuía em si apenas os
aspectos judaico-cristãos de afetividade tola que temos inserido em nossa
sociedade. Era a deusa do amor, do sexo e dos prazeres da carne,
entretanto, possuía faces de
um amor celestial, divino, por demais elevado aos nossos conceitos, o
amor
platônico como conhecemos hoje é regido também por essa deusa, sob o
nome de Afrodite Urânia.
Em seu aspecto de sedutora Afrodite incorporava o nome de Afrodite
Pandemo, “comum”, e essa sua face, tão pouco desconhecida para os povos
contemporâneos, era a mais respeitada entre os gregos. Em alguns mitos ela
aparece como Grande Mãe, principalmente na Ásia Menor, onde era tida
também como Afrodito, recebendo barbas e transformando-se em uma divindade
andrógina. Algumas lendas referem-se à ela como amante de Zeus, o
Pai. Atualmente há uma pratica comum entre nossos escritores,
principalmente os religiosos e não históricos, em dar destaque somente à
face boa e ‘cristã’ de Afrodite, talvez por que certos conceitos ainda
estejam por demais inseridos em
nossa mentalidade para serem claramente expostos. Nosso objetivo aqui
não agradar aos olhos dos leitores, é tornar claro que Afrodite não era
para os gregos uma divindade piedosa e caridosa, como muitos gostariam que
o fosse, ao contrário, em sua face negra Afrodite se mostra como a mãe
destrutiva, a deusa que dá a vida e a recolhe, sem utilizar critérios de
pecado ou piedade, bondade tola para sermos mais exatos. Ligada às deusas
orientais Ishtar e Astarte, Afrodite regia suas sacerdotisas nas antigas
praticas da prostituição sagrada, como assim o fazia Ishtar. As sacerdotisas
de Ishtar eram escolhidas em tenra idade, iam para os templos demasiado
jovens, após receberem o primeiro sangramento. Lá se deitavam com
viajantes e todos aqueles que ali parassem e pagassem à deusa pelos
prazeres da carne. Afrodite, como nos atestam variados indícios, também
era simpática a tal prática. Talvez nossas pseudo-sacerdotisas dos
movimentos neopagãos se interessem por esse lado ao se dizerem filhas
dessa divindade. Astarde, à semelhança de Afrodite possuía também seu
consorte divino, Tamuz. Tamuz e Adônis, amantes das duas deusas, padeceram
do mesmo mal, o
excesso de amor que as duas divindades lhes dedicavam. Eis a face negra
do amor divino. Essa história se assemelha muito ao mito da Roda do Ano
dos wiccanos de hoje, mas faremos tal analogia em uma próxima
oportunidade. Afrodite, como deusa negra, recebeu entre os gregos o nome
de Afrodite Zeríntia, sob o qual regia os espíritos e os mortos. Na Trácia
recebia sob essa forma
sacrifícios de cães em seus oráculos. Aconselhamos assim certos
indivíduos a sacrificarem seus cãezinhos à deusa do amor, ora ela é apenas
regente do amor, e o amor não mata. Na península Ática seu nome Zerintia
muda para Genítilis, onde também recebia sacrifícios de diversos animais,
entre eles os cães, que também eram sacrificados à Hécate. Tais
sacrifícios eram realizados
principalmente em oráculos, os cães como seres andantes eram tidos pelos
gregos como eternos conhecedores das estradas, eram sacrificados para
auxiliar em decisões de novos rumos e caminhos a serem tomados. Vale
lembrar que Hécate regia os caminhos, e freqüentemente era representada
tendo um cão ao seu lado, algumas vezes Cérbero, o cão de três cabeças que
guardava, como se sabe, o caminho para o Tártaro, o reino dos mortos. A
deusa apareceu também sob os nomes de Melena e Melênis, “a negra” e “a
escura”, respectivamente. Sob o nome de Zerintia, Afrodite surge novamente
como deusa negra, sob essa forma os gregos à consideravam “a mais velha
das Moiras”. As Erínias, deusas da vingança e que levam a morte lenta aos
infratores das leis divinas eram filhas de Urano, como Afrodite. Nessa
versão de Hesíodo, enquanto Afrodite nascera do sêmen de Urano
fertilizando o mar, as Erínias e outras deusas negras surgiram do sangue
de Urano, quando este tocou o mar. Essas irmãs as Erínias, possuíam como
Afrodite duas faces, eram também as Eumênides, “as benevolentes”. Já
falamos da ligação de Afrodite com Hécate pelo cão, o que falta ainda
sobre esse tópico é que a chegada das Erínias, era sempre ouvida por um
forte ladrado de cães, assim Ésquilo nos afirmou. O nome Erínia em seu
significado original é “espírito de
cólera e vingança” e em alguns autores são citadas como Erini, forma
única dessas divindades. Karl Kerényi nos afirma que Afrodite não era
apenas uma das Erínias, e sim Erini, a mais poderosa delas. Em um trecho
da tragédia ‘Hipólito’, do autor grego Eurípides, encontramos a seguinte
narração:
“AFRODITE Tão grande e famoso é o meu nome entre os mortais como no céu:
sou a deusa Cípris. Mas hoje ainda, devido às faltas contra mim
cometidas, punirei Hipólito. De acordo com os meus desejos, Fedra, nobre
esposa de seu pai, ao vê-lo, no coração foi ferida por violento amor.”
As Erínias eram os espíritos da vingança, e nessa obra antiga Afrodite
surge exatamente como vingadora. Hipólito, por despreza-la e adorar
Ártemis, sofrerá as conseqüências de não reconhecer em Afrodite as
qualidades por ela possuídas. Eis sem mascara a deusa do amor dos jovens
apaixonados, quanta ternura! Afrodite era conhecida por outros nomes, em
sua maioria ligando-a à morte, e a destruição. Devido à imensa maioria dos
nomes e das faces negras de Afrodite,
vemos que era cultuada mais como uma deusa negra do que como deusa do
tolo amor cristianizado. Foi chamada de Afrodite Andrófono, “a matadora de
homens (o mito mais conhecida de uma vingança das Erínias fala sobre sua
perseguição à Orestes) Afrodite igualmente pune Hipólito. Afrodite Anósia,
como “a pecadora”, nome sob o qual eram erigidos os raros templos de
prostituição sagrada existente na Grécia. Como Senhora da Morte era
Timborico, “a cavadora de túmulos”. Aspecto sob o qual se fazem presentes
suas qualidades pouco atraentes. Algumas histórias
contam sobre uma certa Afrodite Persefessa, o sobrenome deveras semelhante
à Perséfone, esposa de Hades e rainha do Tártaro, sela assim sua presença
como face negra do divino feminino grego. Como cavadora de túmulos
Afrodite não é a deusa celestial que tanto aspiramos adorar. É, ao
contrário a senhora negra, o útero que devassa a vida dos homens, ao
mesmo tempo que lhes levava prazeres, Afrodite destruía e matava. Fez
Hipólito infeliz por ousar desacredita-la e certamente não coroará de
rosas certos atos e praticas que tanto a banalizam, especialmente nos
tempos atuais. Afrodite mostra-nos claramente as diversas faces de uma
divindade, como deusa mãe, é não
apenas o doce útero que dá à luz, mas as garras que a tiram.
Boa noite. Texto interessante porém não entendi a seguinte passagem;
ResponderExcluirAconselhamos assim certos indivíduos a sacrificarem seus cãezinhos à deusa do amor, ora ela é apenas regente do amor, e o amor não mata."
Segundo esse 'aconselhamos', entendi que o texto aconselha que as pessoas sacrifiquem cães. É essa a ideia ou está faltando alguma palavra nessa frase?
Desde já obrigada.
obs: eu não sacrifico animaia, perguntei pra tentar entender se é isso mesmo que o texto aconselha ou se houve falha na escrita/edição do mesmo, pois está realmente difícil de entender.
Olá, a passagem do texto que você citou se refere ironicamente a este ato, e ao fato de que muitas pessoas veem Afrodite apenas como a Deusa do amor romântico e puro, sem saber que no passado, diversos sacrifícios de animais eram feitos a esta Deusa. Ele não está aconselhando, está falando ironicamente deste ato, e se você ler atentamente o texto por completo, verá que a autora procurou dar esse tom de ironia e sarcasmo ao texto, justamente por isso. O sacrifício de animais para inúmeras divindades era muito comum na Grécia antiga, mas atualmente ele não é mais necessário em oferendas a Deuses e Deusas. Espero ter ajudado, bençãos da Deusa.
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