quarta-feira, 9 de maio de 2012

Criando Beleza


Criando Beleza
Escrito por Maggie Tapert   
Virgem Sagrada era o título das sacerdotisas prostitutas de Ishtar, Asherah ou Afrodite. O título não significava virgindade física, mas ausência de casamento (não pertencer a homem algum). A função de tais virgens sagradas era dar graças à Deusa, através da adoração sexual, para curar, profetizar, praticar danças sagradas, chorar pelos mortos e se tornar Noivas do Deus." - Enciclopédia dos Mitos e Segredos da Mulher, Barbara G. Walker

A tensão na sala era claustrofóbica. Havíamos estado juntas à vários dias, nos preparando para o momento em que daríamos as boas vindas a uma estranha em nosso meio. Mantendo nossa tradição, havíamos arrumado a sala para nosso ritual, removendo móveis e toda tralha desnecessária que poderia nos distrair do foco de nossa intenção e desígnio. Cuidadosamente varremos o lugar, dispersando poeira, sujeira e toda energia negativa. Havíamos acendido longas velas vermelhas em candelabros de latão e as dispusemos estrategicamente ao redor da sala. O altar estava coberto de aveludadas pétalas de rosas vermelhas, o incenso queimava e os colchonetes haviam sido arranjados de modo a formar um grande círculo no meio da sala e estavam cobertos com sensuais tons de vermelho, laranja e dourado. O sol estava se pondo e a noite apenas começando. A sala escurecia gradualmente, à medida que a luz do dia dava lugar ao brilho mágico da luz das velas. As mulheres se deram as mãos em um círculo, usando suas elaboradas máscaras, com suas capas artisticamente drapeadas sobre seus ombros nus. Elas pareceram bonitas para mim, minhas sacerdotisas aprendizes, seus olhos brilhando de excitação através de suas máscaras. Senti orgulho delas, cada uma delas adquirindo autoridade à medida que tomavam seus lugares no grande círculo da vida, aceitando seu papel de liderança como mulheres "despertas" espiritualmente. Esperei na entrada da sala, enquanto minha assistente liderou os homens ao nosso círculo ritual. "Respirem!" Lembrei às mulheres e uma risada suave surgiu entre o grupo, consciente que a antecipação ansiosa as havia feito prender a respiração. *** Marianne era virgem aos 56. Ela devotou sua vida profissionalmente aos cuidados dos idosos, enfermos e moribundos - dando banho, alimentando-os e tratando deles, observando todas as suas necessidades e, quando sua hora chegava, auxiliando-os a passar pela morte. Seu papel de zelo definiu sua vida e ela aceitou isso, mas ela parecia fora de compasso com a energia jocosa e por vezes estática que eu percebia nas outras mulheres com quem eu trabalhava. Eu enormemente admirava e respeitava as qualidades que ela exibia como "Sacerdotisa da Morte", mas ao longo do tempo notei uma máscara emocional que ela usava para esconder algo que faltava, que estava inacabado ou incompleto nela. Quando estávamos juntas, ela ocasionalmente vestia algo que ela considerava como a exteriorização da feminilidade: colares de conchas chacoalhantes em volta de seu pescoço, combinando com enormes e coloridos brincos balouçantes; batons de vermelho vivo e meias arrastão pretas, num contraste doloroso com vestidos caseiros, sem forma definida, que caiam de seus ombros pequenos. Ela parecia ansiar por alguma expressão de feminilidade, mas a aparência externa que ela criou em tais momentos era mais esquisita do que elogiável. Seu cabelo cortado curto e seu corpo pálido negavam a maturidade de sua idade. Sua vulnerabilidade e delicadeza interior eram disfarçados por uma voz desconexa e a maioria das vezes alta demais.
Embora ela tenha experimentado muita da condição humana e conhecia um bocado sobre os acordos da vida e morte, ela nunca havia experimentado a intimidade com um homem. Ela me disse que quando era jovem, houve um ou outro flerte ocasional, mas nada além disso, por causa das expectativas agressivas dos homens e seu próprio medo pelo desconhecido poder da sexualidade masculina. Ela permaneceu até esse dia, em todo o sentido da palavra, uma virgem. Ela gostava de sua independência e valorizava sua própria sexualidade, mas ela nunca compartilhou seu corpo, nem recebeu o toque amoroso de outro ser humano, seja homem ou mulher.
Quando ouvi sua história, perguntei se ela tinha curiosidade a respeito dos homens ou se ela desejava experimentar a energia masculina, para saber como o sexo com um homem era realmente. "Ah, claro!" ela respondeu com sua voz rouca. "Mas eu sei que isso nunca vai acontecer. Os homens não sentem atração por mim e eu não acho que isso vá mudar". Perguntei se ela estaria aberta a experimentar a energia masculina num ambiente seguro, caso eu pudesse garantir que ela não se machucaria ou seria rejeitada. Recebi sua resposta pelo correio uma semana depois. Numa carta de quatro páginas, escrita a mão, ela me assegurou que ela realmente gostaria de experimentar os homens, para aprender como o sexo com eles seria. Ela escreveu dizendo não ter nenhuma expectativa ou limitações com relação a isso, mas que simplesmente confiava que eu criaria um espaço seguro para ela receber o que um homem poderia oferecer. Eu estava maravilhada com sua curiosidade e coragem - ela estava simplesmente aberta a uma nova experiência, sem fazer exigências ou sequer preservando sua vulnerabilidade. *** Pedi a cada mulher do grupo para selecionar e trazer de casa um pedaço da mais fina seda branca para o ritual. Durante a tarde, enquanto preparávamos o espaço ritual, Karin, que era muito talentosa com a linha e a agulha, costurou os pedaços de seda juntos, para fazer uma túnica de noiva para Marianne. Sem cortar o tecido, ela simplesmente ancourou os pedaços juntos para formar um lindo e elegante vestido que servisse a essa ocasião auspiciosa. Ao final da tarde, logo antes do por do sol, todas nós demos banho em Marianne e depois oleamos e massageamos o seu corpo, ajudando-a a relaxar e aterrar sua energia. Uma mulher arrumou o seu cabelo e outra a maquiou e perfumou sua pele alva e macia. Enquanto acendíamos as velas ao redor da sala, ela colocou uma máscara de puro branco e as mulheres gentilmente colocaram a túnica sobre seus ombros. Ela irradiava uma elegância silenciosa que eu nunca havia visto nela antes. Formamos um círculo ao redor de Marianne e chamamos por Afrodite, mãe da beleza, por Suas bênçãos e proteção durante a noite. O silêncio caiu na sala e nós estávamos prontas para começar.
Silêncio era regra em nosso Templo. Como alta sacerdotisa, eu era a única que podia falar nesse ritual. Todas as mulheres e homens convidados eram instruídos a permanecer em silêncio - permitindo que suas ações e sua energia fossem os únicos meios de comunicação por toda a noite. A música foi cuidadosamente selecionada, a fim de apoiar o clima no local. Naquele momento, era um som mágico e melodioso que vinha através das caixas de som, calmo e sensual ao mesmo tempo.
Através dos anos que eu trabalhei com homens e mulheres, o Templo evoluiu e mudou. Anos atrás, entendi que o Templo era um lugar para homens que procuravam cura espiritual e sexual das mulheres que seguiam o alto chamado da Prostituta Sagrada. Por muitos anos aproveitei a experiência de estar nesse papel também. Aprendi muito e foi uma oportunidade para afinar meus talentos como uma curandeira sexual. Ao longo do tempo, conheci homens que estavam prontos a trilhar esse caminho, usando seus predicados ao serviço das mulheres e à evolução espiritual feminina. Não há muitos homens no mundo que estão aptos a seguir esse chamado. Para essa noite em particular, selecionei homens fortes em seu estilo e expressão pessoal, mas unidos na intenção de trazer o arquétipo masculino da Prostituta Sagrada ao tempo e espaço real. As sacerdotisas nunca haviam visto esses homens antes e eles iriam embora ao fim da noite sem dizer palavra ou revelar sua identidade.
Eles se aproximaram do espaço sagrado - três homens vestidos de negro, seus rostos escondidos atrás de elegantes e máscaras de couro preto. Esses eram os melhores do meu time masculino, selecionados através dos anos em função de sua graça física e sua devoção e amor às mulheres. Eles vieram ao Templo não para agradar a si mesmos, mas para servir e honrar à Deusa e para dançar com Suas sacerdotisas. Enquanto atravessavam para o nosso espaço mágico, cada homem silenciosamente me reverenciou e tomou seu lugar ao fundo da sala, fora do círculo de sacerdotisas. Levantei meus braços aos céus e comecei minha invocação:
"Todos agradeçam à Deusa Afrodite, em cujo Templo sagrado estamos reunidos. Nós reconhecemos a beleza e alegria que vêm de Sua generosa mão! Amados irmãos, minhas sacerdotisas lhes dão as boas vindas a esse Templo, criado por mulheres como um símbolo de nosso poder e autoridade espiritual. Observem nossa irmã que é virgem. Ela está pronta para conhecer um homem pela primeira vez. Amem-na. Toquem-na profundamente. Acendam o fogo de seu amor. Nós a confiamos aos seus cuidados. Que a dança da alegria comece!"
As mulheres se sentaram na fronteira externa do círculo de acolchoado, com Marianne de pé, no meio, ainda vestida com sua máscara e túnica brancas. Um por um, eu peguei os homens pela mão e os guiei para dentro do círculo, de modo a formarem um anel apertado à volta dela. Eles ficaram de pé, parados por alguns minutos, simplesmente irradiando sua presença fálica. Então, um dos homens abriu a túnica dela e a deslizou gentilmente sobre seus ombros, colocando-a ao lado dela, no colchonete. Ela ficou parada em meio a eles, insegura e excitada ao mesmo tempo. Um dos homens a deitou sobre o colchonete e eles começaram a gentilmente tocá-la e acariciá-la. De forma desajeitada e insegura naqueles primeiros momentos, ela tentou ser recíproca, para dar algo em retorno aos homens. Eu me abaixei e sussurrei em seu ouvido, "não faça nada, apenas receba". Olhando para mim, ela suspirou de alívio e começou a relaxar. Ela ficou deitada em deliciada aceitação e começou a aproveitar as mãos amorosas que a tocavam. Os homens a abraçaram, seguraram, acariciaram e tocaram-na gentilmente, em todas as possíveis variações. Olhei em volta e percebi que, assim como eu, as outras sacerdotisas estavam em estado de adoração. Ficamos focadas e quietas, enquanto testemunhávamos aquele excitante ato de amor. Criar esse espaço e tornar isso possível para Marianne foi verdadeiramente mágico. Mais tarde, os homens se encaminharam aos seus respectivos lugares, que havíamos preparado para eles, fora do círculo de mulheres. As sacerdotisas assistiram de seus lugares quando Marianne atravessou para o local do homem de sua escolha, deitou em seu colchão e, pela primeira vez em seus 56 anos, sentiu um homem entrar profundamente em seu corpo. Ela cruzou as pernas sobre suas costas e se abriu para recebê-lo. Nós a assistimos derreter silenciosamente em seu profundo abraço de amor, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Mais tarde, ela sentou ao seu lado, nua à luz das velas e acariciou seu pau gentilmente, sorrindo maravilhada pelo modo que ele dançava em sua mão.
No dia seguinte, quando somente a memória da visita dos homens restava, sentamos juntas, dividindo o que havíamos experimentado na noite anterior. Karin removeu as costuras que uniam a túnica de casamento numa só peça e ouvimos Marianne descrever sua experiência em detalhes. Ela estava radiante enquanto falava. Ela parecia transformada. Ela brilhava. Sua voz era gentil e ela estava cheia de alegria e agradecida a todas nós por mantermos o espaço e tornarmos isso possível para ela. Enquanto Marianne falava, Karin silenciosamente devolveu os pedaços de seda branca para cada uma das sacerdotisas, a fim de que as mulheres pudessem ter uma lembrança do período mágico que tivemos juntas no Templo. Cada uma de nós refletiu, em silêncio, sobre o momento em que, há muitos anos atrás, nos abrimos ao nosso primeiro amante. Aquele momento de nosso passado, no começo de uma jornada de vida no mundo dos homens. Para a maioria de nós, não foi parecido com isso, cheio de beleza e apoio de amigos queridos, planejado, cuidadoso, consciente e alegre. Não, não foi desse modo para nós, mas estávamos conscientes que agora tínhamos o poder de redefinir tais momentos, através da criação de inovadoras experiências curadoras umas para as outras. Mantendo uma à outra no sagrado círculo do amor foi o nosso contrato como sacerdotisas e a expressão da energia feminina criadora e regeneradora. À medida que aprimoramos o poder feminino, nos livramos do peso do passado e abrimos espaço para as alegrias do agora. *** Para as sacerdotisas de hoje, o Templo desabrocha em frescor, enquanto alimenta nossas raízes no chão fértil de uma linhagem antiga. Apenas após esse evento com Marianne, eu percebi o poder transformador posto à disposição para as mulheres nesse tipo de espaço sagrado, independente do assunto por lá tratado. Testemunhei o nascimento de uma nova visão da evolução e cura femininas, bastante diferente da programação e agendamentos dos homens em nossas vidas. O Templo se fundamenta sobre nossa vontade de evolução enquanto mulheres espiritualmente despertas, através de atos sagrados de amor ritual. É um convite para irmos além do pessoal, para dentro dos mistérios do transpessoal. Todo Templo é diferente. A liturgia muda, de acordo com as estações do ano, na presença de nossas necessidades pessoal, com a energia do momento. Porém, quando pisamos no espaço sagrado do Templo, nos pisamos sobre um caminho não convencional de espiritualidade feminina. Somos abençoadas por descobrir a antiga conexão que nos une como irmãs e somos energizadas por uma força spiritual que nos ancora nos dias de hoje. Que o Templo possa se erguer novamente, nascido da beleza, construído pelo amor - uma celebração terrena das mulheres infundidas de espírito, as sacerdotisas da alegria.
Blessed Be.

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